Retire a pedra de tropeço

Retire a pedra de tropeço
Se o teu olho te escandalizar,arranca-o e lança para longe de ti.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

AINDA SOU DO TEMPO

Ainda sou do tempo em que ser crente era motivo de críticas e perseguições. Não éramos muitos, e geralmente éramos considerados ignorantes, analfabetos, “massa de manobra” ou gente de segunda categoria. Os colegas da escola nos marginalizavam. Os patrões zombavam de nós. A sociedade criticava um povo que cria num Deus moral, ético, decente; que fazia de seus seguidores pessoas diferentes, amorosas, verdadeiras e puras. Não era fácil. Mas nós sobrevivemos e vencemos.

Sinto falta daquela perseguição, pois ela denunciava que a nossa luz era de qualidade, e ofuscava a visão conturbada de quem não era liberto. E, por causa dessa luz, muitos incrédulos foram conduzidos ao arrependimento e à salvação. Mas hoje é diferente.

Ainda sou do tempo em que os crentes não tinham imagensem suas casas, em seus carros ou como adereços de seus corpos. Nós não tatuávamos os nossos corpos e nem colocávamos "piercings" em nossa pele. Críamos que os nossos corpos eram sacrifícios ao Senhor (Rm 12.1,2), e que não era-nos lícito maculá-los com os sinais de um mundo decadente, um deus mundano e uma cultura corrompida. Dizíamos que tatuar o corpo era pecado.

Não tínhamos objetos de culto em nossas igrejas. Aliás, esse era um de nossos diferenciais: nós éramos aqueles que não admitiam imagens em lugar algum. Mas hoje é diferente.

Ainda sou do tempo em que pornografia era pecado. Nós não considerávamos fotos eróticas ou filmes pornôs um "trabalho profissional", mas uma prostituição do próprio corpo e uma corrupção moral. Ao nos convertermos, convertíamos também os nossos olhos, e abandonávamos as revistas pornográficas, os cinemas de prostituição e os teatros corrompidos.

Os que eram adúlteros se arrependiam e pagavam o preço do que fizeram, e começavam vida nova. Os promíscuos mudavam seu comportamento e tornavam-se santos em todo o seu procedimento (1 Pe 1.13-16). Nós, os adolescentes, deixávamos os namoros e os relacionamentos orientados pelos filmes mundanos, e primávamos por ser como José do Egito, que foi puro, ou o apóstolo Paulo, que foi decente. Mas hoje é diferente.

Ainda sou do tempo em que nos vestíamos adequadamente para o culto. Aliás, além do nosso testemunho moral, nós nos identificávamos pelas roupas. Se pentecostais, usávamos roupas sociais bastante formais, e éramos conhecidos aonde quer que fôssemos, pois ninguém mais se vestia tão formalmente assim em pleno domingo à tarde. Se de outras denominações, como eu, não chegávamos a esse extremo, mas nos trajávamos socialmente, com o melhor que tínhamos dentro de nossas possibilidades; porque críamos que, se íamos prestar um culto a Deus, a ocasião nos exigia o melhor, e buscávamos dar o melhor para Deus. Era a famosa "roupa de missa" ou "roupa de igreja".

Mesmo pobres, tínhamos o melhor para Deus. E sempre algo decente: camisas sociais, calças bem passadas, um sapato melhor conservado, um blazer ou uma blusa bem alinhada. As mulheres usavam seus melhores vestidos, suas melhores saias e seus conjuntos mais femininos. Mas hoje é diferente.

Ainda sou do tempo em que nossos hinos falavam de Cristo e da Salvação. Cantávamos muito, e nossas músicas não eram tão complexas como as de hoje. Mas todos acabavam por decorá-las. Suas mensagens eram simples e evangelísticas: "Foi na cruz, foi na cruz", "Andam procurando a razão de viver"; "Porque Ele vive, posso crer no amanhã", "Feliz serás, jamais verás tua vida em pranto se findar", "O Senhor da ceifa está chamando"; "Jesus, Senhor, me achego a Ti", "Santo Espírito, enche a minha vida", "Foi Cristo quem me salvou, quebrou as cadeias e me libertou", etc. Não copiávamos os "hits" estrangeiros, ou as danças mundanas - mas buscávamos algo clássico, alegre; porém, solene. 

E dançar o louvor? Jamais! Não ousávamos, nem queríamos - nunca soubéramos que o louvor era "dançante" -, deixávamos as danças em nossas velhas vidas mundanas. Porém, mesmo não tendo- as, éramos alegres e motivados. Mas hoje é diferente.

Ainda sou do tempo em que as denominações e igrejas tinham personalidade. As denominações eram poucas e bastante homogêneas. Sabíamos que a Assembleia de Deus era pentecostal e usava indumentária formal; os presbiterianos eram os melhores coristas que existiam; (...) os melhores solistas eram batistas, etc.

Nossas liturgias eram bastante diferentes: os conservadores eram formais, seus cultos silenciosos; enquanto um orava, os outros diziam “amém”. Já os pentecostais oravam todos ao mesmo tempo e cantavam a Harpa Cristã. Nós nos considerávamos irmãos, não há dúvida. Mas tínhamos personalidade. Hoje tudo é diferente.

E eu não sou velho! Isso tudo não tem 26 anos ainda! Na década de 80, ser crente era ser assim!
Meu Deus, como o mundo mudou! Como a chamada “Igreja Evangélica” se deteriorou! Hoje eu sinto vergonha de ser considerado evangélico!
Hoje é moda ser “crente”, ou melhor, gospel. Você é artista pornô, mas é crente. Você é do “forró pé-de-serra”, mas é crente. Você é ladrão, mas é crente. Você é homossexual assumido, mas é crente. Não importa a profissão, o comportamento, a moral, a índole - ser crente é apenas um detalhe

Aliás, dá cartaz ser “crente”: Hoje, muitos cantores "viram crentes" pra vender seus CD's encalhados, pois o "povo de Deus" compra qualquer coisa. 

Não há diferença entre o santo e o profano, o consagrado e o amaldiçoado, o lícito e o proibido, o justo e o injusto (Ml 3.13-18; 1 Co 6.12). Qualquer coisa serve. O púlpito pode ser uma prancha de surf, uma cama de motel ou um palanque eleitoral; a forma não importa. Ser crente é apenas um detalhe, uma simples nomenclatura religiosa.

Hoje, os crentes tatuam as suas peles, mesmo sabendo que a Bíblia condena o uso de símbolos e marcas no corpo de quem se consagra a Deus (1 Co 3.16,17; 1 Ts 5.22; 1 Co 10.31; Fp 4.8; Rm 12.1,2). Criamos nossos próprios símbolos, nossos próprios estigmas e nossas próprias “tribos”. 

Hoje, há denominações que dão opções de símbolos para que seus jovens se tatuem. O "piercing" deixou de ser pecado, e passou a ser "fashion"; está pendurado na pele flácida de roqueiros “evangélicos” e "levitas" das igrejas, maculando a pureza de um corpo dedicado ao Deus libertador. 

Mulheres há que enchem seus umbigos (e outras partes) de pequenas ferragens, repletas de vaidade e erotismo mundano, destruindo, assim, qualquer padrão cristão de consagração corporal. Meninos tingem seus cabelos de laranja, e mocinhas destroem seus rostos com produtos - pois agora todo mundo faz -, e "Deus não olha a aparência". (Ainda bem; pois se olhasse, teria ânsia de vômito... cf. Ap 3.15,16).

Hoje, ir à igreja é como ir ao mercado ou às barracas de feira e de artesanato: um evento efêmero, informal, meramente turístico.

Não há mais cuidado algum no trajo de culto. Rapazes vão de bermudas, calções (e, pasmem os senhores, de sungas!), até sem camisa; porque “Deus não é bitolado, babaca ou retrógrado". Garotas usam suas minissaias dos "Rebeldes" e exibem umbigos cheios de "piercings", estrelinhas e purpurinas pingando dos cabelos e roupas, numa passarela contínua do modismo eclesiástico. Se alguém ainda vai modestamente ao culto - seja jovem, seja velho - ou é "novo convertido", ou é "beato". 

É típico encontrarmos pastores dizendo aos "engravatados": "Pra quê isso, irmão? Vai fazer exame laboratorial?" E, continuamente, vão demolindo qualquer alicerce de reverência e solenidade para o ato do culto.

Hoje, repito, as nossas músicas pouco falam de Cristo. Somos bitolados por um amontoado de "glórias", "aleluias", "no Trono", "Te exaltamos", "o Teu poder", etc. Misturamos essas expressões, colocamos uma pitada de emoções, imitamos os ícones dos megaeventos de louvores, e gravamos o nosso próprio CD - que, de diferente, tem a capa e o timbre de algumas vozes; talvez alguns instrumentos - mas, no mais, não passam de cópias das cópias das cópias.

E Jesus? Ah, quase nunca O mencionamos, e, quando o fazemos, não apresentamos qualquer noção do que Ele é ou representa para o nosso louvor! Não falamos mais que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 16.4), não o apresentamos como Senhor e Salvador (Fp 3.20), não informamos ao ouvinte o que se deve fazer para tê-lO no coração (Rm 10.8-11; Ap 22.17), apenas citamos Seu Nome ou dizemos um “Aleluia” para Ele.

Hoje, entrar em uma igreja é como ter entrado em todas: é tudo igual. O mesmo sistema, as mesmas cantorias, a sequência de eventos, os rituais emocionais, as pregações da prosperidade, de “libertação de maldições” ou de “megassonhos de Deus" (como se Deus precisasse “sonhar”; como se fosse impotente ou dependente da vontade humana).

Transformamos nossas igrejas em filiais de uma matriz que não sabemos nem onde fica, mas que se representa nas comunidades da moda. 

Não há mais corais, não há mais solistas, não há mais Escolas Dominicais fortes, não há mais denominações com características sólidas, não há mais nada!

Tudo é a mesma coisa: uma hora e meia de "louvor", meia hora de "ofertas" e quinze minutos de "pregação" (ou meia hora de "palavra profética e apostólica"). Que desgraça!

Hoje, trouxemos os ídolos de volta aos templos: são castiçais, bandeiras de Israel, candelabros, reproduções de peças do Tabernáculo do Velho Testamento, bugigangas e quinquilharias que vendemos (similares aos escapulários católicos que tanto criticávamos). Hoje, nos atemos a uma cruz sem-Cristo, simbólica apenas. Hoje, temos anjinhos, “Moisés abrindo o Mar Vermelho”, “Cristo no sermão da Montanha”...

O que nos falta ainda? Nossas Bíblias, para serem boas, têm que ser do "Pastor fulano"; com dicas de moda, culinária, negócios e guia turístico. Hoje, temos Bíblias para mulheres, para homens, para crianças, para jovens, para velhos (só falta inventarmos a “bíblia gay”, a “bíblia erótica”, a “bíblia do ladrão”, a “bíblia do desviado”. Bíblias puras, não prestam mais. E, mesmo tendo essas bíblias direcionadas, QUASE NINGUÊM AS LÊ

Trazemos rosas para “consagrar”, rosas murchas para “abençoar” e virar incenso em casa; sal grosso para “purificar”, arruda para “encantar”, “folhas de oliveira de Israel” e “água do Rio Jordão” (Tietê?!) para “abençoar”; “vara de Arão”, “de Moisés”, e sabe lá de quem mais! Voltamos às origens idólatras!

Parece o povo de Israel, que, ao morrer um rei justo, emporcalhavam o país com suas idolatrias e prostitutas cultuais.

E, se alguém ousa ser autêntico, é taxado de retrógrado. Com isso, surgem os terríveis pseudofundamentalistas - que abominam tudo - ou os neopentecostais, que são capazes de transformar a igreja num circo, fazendo o povo rir sem parar ou grunhir como animais.

Meu Deus, o que será daqui a alguns anos? Será que teremos que inventar um nome novo para ser evangélico à moda antiga? Parece que “batista”, “assembleiano”, “presbiteriano” ou “metodista” não define muita coisa mais! 

Será que ainda haverá púlpitos que prestem, pastores que pastoreiem, louvores que louvem a Deus?

Será que seremos obrigados a usar "piercing" para nos filiarmos a alguma igreja? 

Será que nossos cultos serão naturistas? (Já ocorrem, nos Estados Unidos).

Será que ainda haverá Deus em nosso sistema religioso?

É CLARO QUE HÁ EXCEÇÕES! E eu bendigo a Deus porque tenho lutado para ser uma dessas exceções. (...) Mas eu não podia deixar de denunciar essa bagunça toda, esse frenesi maligno, esse fogo estranho no altar de Deus!

Quando vejo colegas cuspindo no povo para "abençoá-lo"; quando vejo "pastores" dizendo ao Espírito Santo: "Pega! Pega! Pega!" - como se Ele fosse um cachorrinho! -; quando vejo-os arrancando míudos de boi das barrigas dos incautos doentes que a eles se submetem; quando vejo um "evangelho" podre arrastando multidões; quando vejo colegas cobrando dez mil reais, mais o hotel ou metade da oferta da noite, para pregar o Evangelho - então, eu me humilho diante de Deus e digo: "Senhor, me proteja, não me deixe ser assim!". 

Que Deus tenha piedade de nós.


Pr. Wagner Antonio de Araújo,
 da Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP.

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