“De fato sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11:6)"
“Mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não
ter sido acompanhada pela fé, naqueles que a ouviram.” (Hb 4:2)
Estes dois versículos juntos no mostram como é vã toda a
atividade religiosa onde não há fé. A atividade exterior deve ser realizada correta
e diligentemente, mas a menos que a fé esteja em operação, Deus não é honrado e
a alma não é edificada. A fé abre o coração de Deus, e é mediante a fé que
recebemos a graça de Deus – não uma mera aceitação do que é revelado em Sua
Palavra, mas um princípio sobrenatural de graça que existe no Deus das
Escrituras. Isso o homem natural, não importa o quanto religioso ou ortodoxo
ele seja, não tem; e nenhum de seus esforços, nem atos da sua vontade, pode
adquirir. É um dom soberano de Deus.
A fé deve operar em todas as atividades dos cristãos, se
Deus há de ser glorificado e ele edificado.
Primeiro, na leitura da Palavra: “Estes, porém, foram
registrados para que creiais” (Jo 20:31).
Segundo, no ouvir da pregação dos servos de Deus: “A
pregação da fé” (Gl 3:2).
Terceiro, na oração: “Peça-a porém com fé, em nada
duvidando” (Tg 1:6).
Quarto, na nossa vida diária: “Visto que andamos por fé, e
não pelo que vemos” (II Co 5:7); “esse viver que agora tenho na carne, vivo
pela fé no filho de Deus” (Gl 2:20).
Quinto, em nossa partida desse mundo: “Todos estes morreram
na fé” (Hb 11:13).
O que o fôlego é para o corpo, a fé é para a alma; pois
alguém que sem fé busca realizar ações espirituais, é como se colocasse uma
mola em um boneco de madeira, fazendo-o mover-se mecanicamente.
Um professo não-regenerado pode ler as Escrituras e ainda
assim não ter qualquer fé espiritual. Assim como o hindu devoto lê atentamente
o Upanishad e o muçulmano o seu alcorão, muitos países “cristãos” adotam o
estudo da Bíblia, e mesmo assim não têm mais da vida de Deus em suas almas do
que têm os seus irmãos pagãos. Milhares nesta terra lêem a Bíblia, crêem na sua
autoria divina, e se tornam mais ou menos familiarizados com o seu contudo. Um
mero professo pode ler vários capítulos diariamente, e mesmo assim nunca
compreender um único versículo. Mas a fé aplica a Palavra de Deus: ela aplica
Suas terríveis ameaças e estremece diante delas; ela aplica Suas solenes
advertências, e procura atendê-las; ela aplica Seus preceitos, e suplica a Ele
por sua graça para acompanhá-lo.
Acontece o mesmo no ouvir a pregação da Palavra. Um professo
carnal se orgulhará de ter comparecido a esta ou aquela conferência, de ter
ouvido aquele famoso professor e aquele renomado pregador, e ter tido tanto
proveito para a sua alma quanto se nunca tivesse ouvido qualquer um deles. Ele
pode ouvir dois sermões todo domingo, e depois de cinqüenta anos ser tão morto
espiritualmente como é hoje. Mas o homem regenerado compreende a mensagem e
avalia a si mesmo pelo que ouve. Ele é muitas vezes convencido dos seus pecados
e feito lamentar deles. Ele testa a si mesmo pelo padrão de Deus, e se sente
tão longe de ser aquilo que deveria que sinceramente duvida da sinceridade da
sua profissão (de fé). A Palavra o corta em pedaços como uma espada de dois
gumes, e o faz clamar “desventurado homem que sou!”
Na oração o mero professo muitas vezes faz o crente humilde
envergonhar-se de si mesmo. O religioso carnal que tem “o dom da palavra” nunca
se perde com elas: frases fluem de seus lábios tão prontamente como águas de um
riacho murmurante; versículos das Escrituras parecem correr através de sua
mente tão livremente como o pó passa pela peneira. Ao passo que o pobre
oprimido filho de Deus é muitas vezes incapaz de fazer algo mais do que clamar
“Ó Deus sê propício a mim pecador” . Ah, meus amigos, nós precisamos distinguir
nitidamente entre a habilidade natural de “fazer” “boas orações” e o espírito
de suplica verdadeira: um consiste meramente de palavras, o outro de “gemidos
inexprimíveis”; um é adquirido por educação religiosa, o outro é implantado na
alma pelo Espírito Santo.
Assim é também em assuntos sobre as coisas de Deus. O
professo fútil pode conversar loquazmente, e muitas vezes, de modo ortodoxo, de
“doutrinas”, sim, e de coisas terrenas também: de acordo com a sua disposição,
ou dependendo da sua audiência, assim é o seu tema. Mas o filho de Deus, embora
sendo pronto para ouvir o que é para edificação, é “tardio para falar”. Oh, meu
leitor, cuidado com pessoas que falam muito; um tambor faz bastante barulho mas
é vazio por dentro! “Muitos proclamam a sua própria benignidade, mas o homem
fidedigno quem o achará?” (Pv 20:6). Quando um santo de Deus abre os seus
lábios para falar de assuntos espirituais, é para dizer o que o Senhor, em Sua
infinita misericórdia, tem feito por ele; mas o religioso carnal está ansioso
sempre para que os outros saibam o que ele “tem feito pelo Senhor”.
A diferença é evidente da mesma forma, entre o crente
genuíno e o crente nominal, com relação à vida diária: conquanto este último
possa parecer exteriormente justo, ainda assim por dentro está “cheio de
hipocrisia e iniqüidade” (Mt 23:28). Eles colocarão a pele de uma verdadeira
ovelha, mas na realidade são “lobos em pele de ovelhas”. Mas os filhos de Deus
têm a natureza da ovelha, e aprendem dAquele que é “manso e humilde de
coração”, e como eleitos de Deus se revestem de “ternos afetos de misericórdia,
de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3:12). Eles são em
secreto o que são em público. Eles adoram a Deus em espírito e em verdade, e
têm a sabedoria bem guardada no coração.
Também é assim no fim de suas vidas. Um professo vazio pode
morrer tão fácil e tranqüilamente como viveu – abandonado pelo Espírito Santo,
e não perturbado pelo diabo; como diz o salmista: “para ele não há
preocupações” (Sl 73:4). Mas isso é muito diferente do fim daquele cuja
consciência, profundamente sulcada e reconhecidamente corrompida, foi
“aspergida” com o precioso sangue de Cristo: “Observa o homem íntegro, e atenta
no que é reto; porquanto o homem de paz terá posteridade” (Sl 37:37) – sim, uma
paz “que excede todo o entendimento”. Tendo vivido a vida do justo, ele morre a
“morte do justo” (Nm 23:10).
E o que é que distingue um caráter do outro, onde está a
diferença entre o crente genuíno e o que é apenas no nome? Nisto: uma fé dada
por Deus e implantada no seu coração pelo Espírito. Não um mero concordar
intelectual com a Verdade, mas um vivo, espiritual, e vital principio no
coração – uma fé que “purifica o coração” (At 15:9), que “atua pelo amor” (Gl
5:6), que “vence o mundo” (I Jo 5:4). Sim, uma fé que divinamente mantida em
meio a provações por dentro, e de oposições por fora; uma fé que exclama “ainda
que me mate, nEle confiarei” (Jó 13:15).
É bem verdade que essa fé não está sempre em atuação, nem é
igualmente forte em todo o tempo em atuação, nem é igualmente forte todo o
tempo. O beneficiário dela deve ser ensinado por dolorosa experiência que da
mesma forma como ele não a criou, ele também não pode comandá-la; por essa
razão ele se volta para o seu Autor e diz: “Senhor eu creio, ajuda-me com a
minha falta de fé”. E é assim para que quando ler a Palavra seja capaz de
apossar-se das suas preciosas promessas; quando prostar-se diante do trono da
graça, ele seja capaz de lançar o seu fardo sobre o Senhor; quando ele
levantar-se para seus deveres temporais, seja capaz de apoiar-se nos braços
eternos; e quando ele for chamado a passar pelo vale da sombra da morte, clame
triunfante “não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo” . “Senhor
aumenta-nos a fé”
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