Retire a pedra de tropeço

Retire a pedra de tropeço
Se o teu olho te escandalizar,arranca-o e lança para longe de ti.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

JESUS OU "YAHOSHUAH"




Nomes próprios não se traduzem?

Essa "tradução" é questionada, com o argumento de que nomes não se devem traduzir, mas sim transliterar. 

Lembrando que tradução é simplesmente a transposição de uma composição literária de uma língua para outra. Já a transliteração é a versão das letras de um texto em certa língua para as letras correspondentes de outra língua, isto é, fazer corresponder letras que tenham o mesmo som. Este procedimento é interessante e correto, e por vezes é utilizado nas traduções da Bíblia.

Mas mesmo este argumento pode ser questionado. Por exemplo, não deveríamos chamar Deus de Deus, e sim de Yhvh (como é que se pronuncia isso?), que é uma transliteração do tetragrama hebraico. A substituição por Adonay, porém, fez com que a pronúncia de Yhvh se perdesse no tempo, e o que conhecemos hoje por Jeová é também uma tentativa de traduzir este vocábulo, mas não significa que está correto também.

Neste ponto, muitos estão se perguntando qual seria a tradução correta do nome Yehôshua ou Yeshua para a língua portuguesa? Na realidade nomes próprios "geralmente" não se traduzem, mas se transliteram conforme a índole de cada língua. Os nomes Eva, David e outros que levam a letra w wav, "v" em hebraico aparecem como Eua, Dauid, nos textos gregos. No grego moderno a letra b beta b na antiguidade", hoje é v. Hoje se escreve Dabid para David e Eba para Eva.

Não se traduz Bill Gates (do inglês) para Guilherme Portões em português. Também não se traduz Michael Jackson para Miguel Filho de Jacó. Também é errado simplesmente escrever um nome em português da forma como ouvimos em inglês: "Maicou Djéquisson", por exemplo, seria uma esquisitice sem tamanho! O nome deve ser mantido na forma como se escreve no original e, na medida do possível, deve-se manter a pronúncia da língua original.


Exceções à Regra

Então isto significa que quando formos escrever o nome do Salvador devemos simplesmente escrever Yeshuah? É lógico que não! Quando a língua original do nome próprio usar um conjunto de caracteres diferente do nosso, então se processa o que chamamos de transliteração. 

Transliteração, como vimos acima, é a "tradução" letra por letra (ou fonema por fonema) de um conjunto de caracteres para outro. Idiomas como o inglês, espanhol, francês e italiano usam o mesmo conjunto de caracteres que o português (A, B, C, D etc...), portanto não há transliteração entre palavras destes idiomas; mas idiomas como o hebraico, árabe, japonês e grego usam outros conjuntos de caracteres. Nestes casos utilizamos a transliteração para podermos representar em nosso conjunto de caracteres nomes próprios escritos originalmente em outro conjunto de caracteres.

As regras de transliteração não são complicadas. Vamos tomar como exemplo o conjunto de caracteres gregos: a (alfa), ß (beta), ? (gama), d (delta), e assim por diante. Numa transliteração de nomes escritos com caracteres gregos, cada letra grega é substituída por uma letra do conjunto de caracteres latinos. Por exemplo, a letra a (alfa) seria transliterada para a letra "A", a letra ß (beta) seria transliterada para a letra B, e assim por diante. 

Há nomes que permanecem inalteráveis em outras línguas, mas não são todos. Como já dissemos, nome próprio geralmente não se traduz; mas às vezes, sim. E o nosso maior exemplo vem justamente da Bíblia Sagrada. Foi o que aconteceu com Simão, a quem Jesus disse: "O seu nome é Simão... de agora em diante o seu nome será Cefas (que quer dizer Pedro)" (João 1.42). Cefas é palavra aramaica que quer dizer "pedra". Pedro é em grego Petros, que quer dizer "pedra". E esse nome, resultado de tradução e não de transliteração, foi o que se tornou mais comum, e baseado nele foi que Jesus construiu o trocadilho registrado em Mateus 16.18.


Exemplos clássicos: 

João - O nome "João", por exemplo é Yohanan, em hebraico; Ioannes, em grego; John, em inglês; Jean, em francês; Giovani, em italiano, Juan, em espanhol; Johannes, em alemão. 

Jacó - Jacó, em hebraico é Yaakov; Iakobo (Tiago), em grego; Jacques, em francês; Giácomo, em italiano; Jacob, em inglês. 

Todavia, há nomes que mudam substancialmente de uma língua para outra. Eliazar, em hebraico, é Lázaro em grego. Elisabete é a forma hebraica do nome grego Isabel.

O argumento, portanto, de que todo nome deve ser preservado na forma original, em todas as línguas é inconsistente, sem apoio bíblico.

Daí notamos que o nome "Jesus" é resultado da transliteração pura e simples do original grego Iesous (pronuncia-se Iesus), contradizendo a hipótese de que o nome "Jesus" originou-se através de uma tentativa mal intencionada dos papas de blasfemar do nome do Salvador.

Para definitivamente remover qualquer dúvida sobre o assunto, basta consultar a versão Septuaginta (LXX), uma tradução do Velho Testamento feita por setenta (?) mestres judeus no segundo século antes de Cristo. Eles traduziram o Velho Testamento do hebraico para o grego a fim de atingir os judeus da dispersão (lembre-se que o grego era a língua mais falada no império Romano). Nesta versão o nome de Josué, que em hebraico se escreve Yehôshua', ou em sua forma abreviada Yeshuah, foi transliterado para o grego exatamente da mesma forma que o nome de Jesus no Novo Testamento.


Trecho do Livro de Josué 1:10-12 na Septuaginta

Os sábios judeus transliteraram a letra hebraica ? (shin) para a letra grega s (sigma). A transliteração de "shin" para "sigma" foi feita em outros casos. Veja a tabela abaixo:

NOME EM PORTUGUÊS NO HEBRAICO
TRANSLITERAÇÃO NA LXX
TRANSLITERAÇÃO PARA CARACTERES LATINOS
Esaú (`Esav)
esan
Esau
Sete (Shen)
shq
Seth
Moisés (Mosheh)
mwushs
Moises
Isaías (Yeshayah)
hsaias
Esaias
Oséias (Howshea)
wshe
Hosee


É importante ressaltar que na transliteração de um conjunto de caracteres para outro, nem sempre a pronúncia original é mantida. Isto ocorre porque nem todos os fonemas de um idioma têm representação gráfica e podem ser devidamente pronunciados em outro idioma.

Da análise destes fatos concluímos que a forma Iesus ou Jesus é totalmente adequada para nos referirmos ao nosso Salvador e nada há de blasfêmia colocada por Jerônimo. Até hoje existem palavras em português que não tem tradução em Inglês. Por exemplo as palavras: saudade, feijoada, brigadeiro, salgado, corte de carne etc... precisam ser parafraseadas em inglês.

Finalmente, o Movimento do Nome Yehoshuah tem uma antropologia distorcida. Na Bíblia, o nome é como um sinônimo da própria pessoa. A pessoa é o que é, e não deixa de o ser se seu nome for traduzido ou transliterado para outra língua. Saulo de Tarso não mudou quando foi chamado de Paulo. Simão não deixou de ser o que era quando foi chamado por Jesus de Pedro. Ademais, o nome Josué (equivalente hebraico do nome Jesus - o Novo Testamento grego não distingue entre Josué e Jesus) aparece como Jeshua cerca de 29 vezes nos livros de Crônicas, Esdras e Neemias (incluindo Ed 5.2 em aramaico), assim como Jehoshuah aparece cerca de doze vezes em Ageu e Zacarias. Muitas vezes esses dois nomes se referem à mesma pessoa, o filho de Jozadaque.




"JESUS OU IESHUA"?



            As explicações da Comissão de Tradução, Revisão e Consulta da SBB sobre o nome “Jesus”, tema que vem despertando dúvidas em vários leitores.

 Pergunta:

 Tem fundamento a afirmativa de que o nome de Jesus é de origem grega e não hebraica?

 Resposta:

Não, não tem. Esse nome transliterado para o grego como Iesous, é hebraico e vem de Ieshua” (as aspas representam a letra hebraica ayin). A forma plena da palavra é Yehoshua”, que, a partir do cativeiro, passou a dar lugar, à forma mais abreviada Ieshua”.

            Até o começo do segundo século d.C. Iesous (Ieshua”) era um nome muito comum entre os judeus. Na Septuaginta, versão do Antigo Testamento que os judeus fizeram entre os anos 285 e 150 a.C., do hebraico para o grego, o nome Iesous aparece para referir-se tanto a Josué (quatro indivíduos) como aos oito Jesua mencionados em Esdras e Neemias.

            Iesous não é nome de nenhum deus da mitologia grega, tanto que não aparece em nenhum clássico grego. Ver, por exemplo, o Dictionaire Grec-Français, de C. Alexandre, que, no apêndice de nomes históricos, mitológicos e geográficos, traz no verbete Iesous apenas o seguinte: “Jesus, nome hebraico”.

 Pergunta:

 Como o nome Yehoshua” se tornou Jesus?

 Resposta:

Já vimos que o vocábulo Jesus não se deriva diretamente de Yehoshua”, mas da forma abreviada Ieshua”, através do grego e do latim. A letra j inicial se explica da seguinte forma: os judeus da Dispersão, empenhados em traduzir as Escrituras do hebraico para o grego (a Septuaginta), não encontraram nessa língua uma consoante correspondente no hebraico. A solução, então, foi recorrer à vogal grega iota, que corresponde ao nosso i. Então escreveram Ieremias, começando com i, e assim por diante, inclusive Iesous.

            Mas como foi que esse i se tornou j? Foi através do latim, que deu origem às línguas neolatinas, entre as quais está o português. No latim posterior à Idade Média, começou a aparecer na escrita a distinção que já existia na pronúncia entre i vogal e i consoante, o qual passou a ser grafado como j. Por isso, o Dicionário Latino-Português, de Santos Saraiva, traz verbetes como estes: Iesus ou Jesus; Ieremias ver Jeremias.

            Agora a explicação para o s médio de Jesus. No vocábulo hebraico Ieshua” o grupo sh representa a consoante shin. Por não haver em grego som correspondente a essa consoante fricativa palatal (que soa como a letra x em “eixo”), os judeus a substituíram por sigma, também fricativa mas linguodental (que em grego, mesmo entre as vogais, soa como nosso ss). O ditongo grego ou soa u.

            O aparecimento do s final do nome Jesus se explica pela necessidade de tornar esse nome declinável: os judeus substituíram a letra ayin final pela letra sigma (o s do grego) do caso nominativo. Nos outros casos a palavra se declina assim: Iesou (genitivo), Iesoi (dativo), Iesoun (acusativo) e Iesou (vocativo). Com isso, foram resolvidos dois problemas de uma só vez: o nome ficou declinável, e o ayin final, que não tem equivalente em grego, foi substituído por um sigma (letra s).

            Fato semelhante se deu com Judas, que reflete a forma grega Ioudas, que em hebraico é Yehudah (Judá). Outros nomes hebraicos que terminam com a gutural “he” tem em grego, em latim e em português o som s: Isaías, Jeremias, Josias e Sofonias. Outro exemplo é o vocábulo Mashiac, que termina com a gutural sonora cheth (ch), a qual em grego, em latim e em português deu lugar ao som de s: Messias.

            A evolução do termo de uma língua para outra é a seguinte: Ieshua” (hebraico) > Iesous (grego) > Jesus (latim) > Jesus (português).

Artigo extraído da revista “A Bíblia no Brasil” edição de julho a dezembro de 1.995 - página 27.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

RESPOSTA AOS ANTI-DIZIMISTAS





DÍZIMO NO NOVO TESTAMENTO? VERDADE OU INVENÇÃO.

Durante as minhas férias de junho de 2010 me deparei com um texto publicado no blog “Bereianos” (www.bereianos.blogspot.com), o qual já fora publicado em outro, “Voltemos ao Evangelho”, em que o articulista defendia que o dízimo não era uma prática neotestamentária. Após ler, decidi postar um comentário, o qual foi censurado e, consequentemente, não publicado no blog. Decidi, então, que escreveria meu comentário em um artigo para o meu próprio blog.

Já de algum tempo tenho ouvido e lido argumentos que dão conta de que o dízimo seria uma prática do Antigo Testamento, da “velha aliança”, do tempo da “lei”, e que tal teria sido abolido pela “graça”, não havendo respaldo no Novo Testamento para o mesmo.

Diante disto, comecei a me perguntar o por que desta rejeição a uma prática tão antiga na vida da igreja cristã. E quando falo antiga, me refiro aos primórdios do cristianismo. Sei que haverá quem objete dizendo que o cristianismo primitivo não tinha tal prática, mas isto não é verdade. Para defender esta tese, os proponentes manipulam exegeticamente dois textos neotestamentários (como procurarei demonstrar mais à frente), a saber, Mateus 23.23 e Lucas 11.42, e selecionam extratos convenientes dos pais da igreja a fim de passar pseudo-erudição aos seus argumentos. Não é proposta deste artigo examinar os pais da igreja, mas prometo um outro artigo mostrando que a prática do dízimo era comum igreja pós-apostólica.
Enquanto pensava sobre a razão desta onda de reação contrária ao dízimo só pude observar duas razões para a mesma. A primeira, diz respeito a cristãos sinceros, que estão cansados com os abusos e exploração financeira que algumas igrejas/seitas praticam (e.g. Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, e afins), e alguns pregadores, em particular, para manter seus programas televisivos megalomaníacos .

 Contra estas práticas, irmãos sinceros, tementes a Deus, rejeitaram tais ensinos, mas por lhes faltar preparo, por não leitura da palavra de Deus ou mesmo não buscarem uma direção de Deus em suas vidas, passaram a interpretar os textos bíblicos não à luz da sua mensagem, mas à luz de suas revoltas contra os abusos. Daí, acabaram por jogar fora uma prática tão salutar e saudável da espiritualidade cristã.

A segunda razão para rejeição do ensino do dízimo encontrei nos corações avarentos, que amam o dinheiro e que, em nome da piedade, passaram a criar pseudo-exegeses para acalentar os seus corações pecaminosos, pois dão ao reino de Deus aquilo que é conveniente ao seu bolso. Espero que esta não seja a sua situação, que lê este artigo e que é contra o dízimo.

Pois bem, antes que partam para uma ataque ad hominem, permita-me dizer-lhe que sou pastor. Alguns, a partir de agora, dirão que sou suspeito para falar do assunto, pois advogaria em causa própria. Considero este tipo de argumento muito medíocre, pois o assunto não trata da nossa função, ou cargos ou qualquer outra coisa ligada à posição que ocupamos na igreja, mas de questões hermenêuticas que nos permitam o entendimento correto de passagens bíblicas.
Outra coisa que gostaria de registrar contra o argumento ad hominem é que durante toda a minha vida fui dizimista e defensor desta causa. Porém, nos anos de 2007 e 2008 fiquei sem pastorear por questões pessoais, e mesmo assim, continuei dizimista na igreja onde passei a congregar. Por fim, voltei a pastorear em 2009, e sirvo a Igreja Episcopal Carismática do Brasil, sem receber nenhum tipo de salário (por opção, enquanto foco esforços na implantação da Igreja em Brasília), e continuo dizimista de tudo o que recebo (como tradutor e revisor de livros para editoras evangélicas, como professor de teologia, como autor de livros, etc). Espero que estes pontos sejam suficientes para calar os que tentarem me acusar de defender o dízimo em causa própria.

Tendo estabelecido estas questões, proponho focar minha atenção na suposta análise exegética que encontrei no artigo supra citado no blog dos “bereianos”. O mesmo tomava o texto de Mateus 23.23 para dizer que o mesmo não fundamentava a prática do dízimo no Novo Testamento, mas que falava de uma prática da “antiga aliança”. Segundo o articulista (não lembro o nome, a única coisa que guardei na memória é que se trata de alguém desconhecido no meio teológico), Jesus teria ensinado a prática do dízimo, nesta passagem, porque estava falando com fariseus e, portanto, como uma prática válida para a “antiga aliança” que estava em jogo. Ainda, segundo o articulista, a “antiga aliança” teria acabado com a morte de Jesus, dando início à nova aliança, o tempo da graça (entendimento esse que se choca com Luc16;16 e Marc 1;14,15).

Confesso que ao ler isto fiquei estarrecido, pois nunca vi tamanha incompetência hermenêutica como neste caso. Os princípios mais básicos de interpretação textual foram jogados no lixo pelo argumento desta pessoa. Foi por isso que decidi postar um comentário, pontuando aquilo que via de errado no argumento e fiquei decepcionado pela censura.

 Pois bem, vamos aos princípios negligenciados pelo autor.
- O primeiro princípio hermenêutico postulado por todos os teólogos conservadores (em oposição aos liberais e as hermenêuticas pós-modernas), é que a mensagem de um texto deve ser encontrada no eixo autor-comunidade primária. Aqui se encontra o primeiro erro daquele articulista, pois ele leu as palavras de Mateus 23.23 sob o eixo das personagens da narrativa-discurso, a saber, Jesus-fariseus. Aplicando o princípio hermenêutico, aqui, o texto deveria ser lido na perspectiva Mateus (autor do Evangelho)-comunidade cristã (a quem ele se dirige). Neste sentido, as palavras devem ser entendidas sob a ótica do autor, Mateus, que querendo das instruções à sua comunidade sob várias questões ligadas à nova vida dos convertidos (Mateus 28.20, onde “ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” se refere aos ensinamentos contidos no Evangelho do próprio Mateus, como veremos mais adiante), selecionou a cena em que Jesus ensinava aos seus discípulos sobre o que deveriam observar a fim de instruir sua comunidade, que era muito posterior à data da narrativa-discurso.

Permita-me ser mais claro. O articulista a quem critico tomou a narrativa-discurso para afirmar que Jesus havia instruído o dízimo ainda debaixo da “velha aliança”. Posso concordar com ele neste ponto, mas a narrativa, em si, foi escrita depois, já debaixo da “nova aliança”.
Quando que Mateus escreveu o seu evangelho? O debate acadêmico é grande sobre este ponto. Temos data de 50 à 70 depois de Cristo (há uns liberais que insistem com datas por volta de 90 à 110 depois de Cristo, mas, hoje, estas teses estão em descrédito na pesquisa acadêmica). Seja qual for a data (creio que possamos data-la em torno de 50 d.C.), todas elas apontam para o fato de que as palavras de Mateus 23.23 foram escritas já no tempo da “nova aliança”, visando instruir a comunidade a que se destina (que chamamos, tecnicamente, de “mateana”) sobre temas judaicos válidos para a igreja cristã, neste caso específico de Mateus 23.23, sobre o dízimo (falaremos mais disto no próximo ponto).

Creio que estas observações, acima, tenham sido suficientes para você, leitor, perceber o erro crasso cometido pelo articulista ao tentar descaracterizar o dízimo como observância da “nova aliança”. E espero ter demonstrado como devemos ler um texto na perspectiva autor-comunidade primária(que no caso aqui e representada pela igreja cristã).

- O segundo princípio hermenêutico básico diz que um texto deve ser lido à luz do seu contexto e, nunca, à luz de suas frases. Pois bem, este foi o segundo erro cometido pelo articulista. Ele isolou o versículo 23, criou um contexto imaginário de “velha aliança” versus “nova aliança” e desenvolveu uma argumentação falaciosa.

Mas antes de prosseguirmos na refutação, convém esclarecer o que se entende, em hermenêutica textual por “contexto”.
Infelizmente, muita gente entende que contexto era o que vinha sendo dito antes, e assim, limitam o contexto às palavras imediatamente anteriores e posteriores. Isto é outro erro crasso, pois o contexto refere-se à todo o discurso que antecede a passagem que, se quer analisar e as palavras que a seguem, dando-lhes sentido. Assim, por contexto temos que entender a mensagem do livro como um todo (contexto geral) até o momento da passagem em análise à luz do seu bloco discursivo (contexto específico).

Aplicando este princípio em Mateus, temos que o texto foi elaborado tendo 5 grandes discursos (5.1-7.27, 10.1-42, 13.1-52, 18.1-35 e 24.1-25.46) como sua estrutura fundamental. No fim de cada discurso aparece, em grego, sempre a mesma frase, kai egeneto hote etelesen ho Iesous, que significa, literalmente, “e aconteceu que disse Jessus..., o que indica marcação de discurso no Evangelho de Mateus, como muitos exegetas têm mostrado historicamente. Agora, chama a atenção que em Mateus 28.20 diga que na missão da igreja, “fazei discípulos”, esteja incluído o ensinara “todas as coisas que vos tenho ordenado”. Por que isto chama a atenção? Porque em 26.1, quando termina o quinto bloco discursivo de Mateus, se diz: kai egeneto hote etelesen ho Iesous panta tous logous, que literalmente significa: “e aconteceu que disse Jesus todas estas palavras/instruções”.

 Diante do exposto, segue que, do ponto de vista estrutural da mensagem do Evangelho, o mesmo deveria ser lido à luz dos 5 blocos discursivos. E do que tratam estes blocos:
5.1-7.27: O cristão e a lei de Deus
10.1-42: O cristão e o compromisso missionário
13.1-52: O cristão e o reino de Deus
18.1-35: O cristão e a vida em comunidade
24.1-25-46: O cristão e o juízo de Deus

Uma série de questões hermenêuticas poderia ser levantada aqui, mas queremos nos ater à passagem de Mateus 23.23.
Como se pode ver, a mesma está entre os discursos catequéticos de 18.1-35 e 24.1-25.46, a vida em comunidade e o juízo de Deus. Tem sido observado por vários comentaristas que os blocos narrativos-discursivos que se colocam entre os blocos discursivos de Mateus servem para ilustrar o discurso anterior e preparar o novo discurso. Como exemplo, peguemos o nosso caso específico. O bloco de 18.1-35, que fala da vida em comunidade, fala em cuidar dos pequeninos e perdoar aos que nos ofendem. A primeira narrativa que segue a estas instruções é a questão do divórcio, onde o discurso se aplica em um caso específico. Já a ultima narrativa-discurso do bloco, 23.37-39 fala da oração de lamento e anúncio de juízo de Deus sobre Jerusalém. Então, começa o Sermão Profético (ou Escatológico, como alguns comentaristas prefere chamar). Creio que você tenha percebido a função destes blocos intermediários.
A nossa passagem pertence ao bloco intermediário que aponta para os exemplos da vida em comunidade e o juízo de Deus sobre a mesma. E de uma forma mais especifica, ainda, Mateus 23.23 se insere na narrativa-discurso que tem início no capítulo 23.1. O que caracteriza este bloco? Considerando que o ensinamento de Jesus sobre a comunidade cristã difere, em muito, do modelo farisaico, o que dizer do mesmo? Rejeitá-lo totalmente?
Observe que após identificar a si mesmo como o próprio Messias que os fariseus esperavam (22.41-45), o que lhe dava autoridade suprema naquilo que instruía, Jesus se volta para as multidões e os seus discípulos e lhes ensina que isto não significava desprezar o ensinamento dos fariseus, pois segundo Jesus, “Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e fariseus”. O que isto significa? Que eles eram intérpretes legítimos da Lei de Deus. Por isso, Jesus continua, “Praticai o que vos ordenarem”, o que se entende por serem eles (os fariseus), legítimos intérpretes. Porém, as multidões e os discípulos não deveriam imitar as suas obras, “pois dizem e não cumprem”. A partir deste momento, Cristo denuncia algumas de suas práticas (v.4-7); em seguida, passa a combater o mal que leva a hipocrisia, a soberba do coração, exortando a se sujeitarem ao Messias (v.8-12). Tendo dito isto, Jesus passa a ilustrar o que dissera sobre os fariseus: que devemos observar o que eles ensinam, mas que não deveríamos imitá-los em suas obras (v.13-35)
São sete ensinos, marcados por ouai, traduzido por “Ai”. Estes “Ai” são extraídos dos oráculos proféticos do Antigo Testamento que visavam anunciar o castigo de Deus sobre comportamentos pecaminosos. É dentro deste eixo “façam o que eles dizem, mas não façam o que eles fazem” e o sinal de castigo pelo comportamento errado que encontramos o “Ai” sobre o dízimo.
O que Jesus ensinou? O texto é muito claro, e o articulista a quem critico entendeu isto: Jesus estava validando o ensino dos fariseus sobre o dízimo, mas estava desautorizando a prática deles, pois davam o dízimo de tudo, mas desconsideravam coisas básicas que deveriam acompanhar a oferta: a justiça, a misericórdia e a lealdade. Os fariseus ensinavam que o dízimo era bíblico, mas entendiam que sua prática era suficiente para alcançar as bênçãos de Deus (algo parecido com o que se vê, hoje, nos discursos de Edir Macedo e companhia de falsos profetas), desprezando as coisas que deveriam acompanhar a prática do dízimo, justiça, misericórdia e lealdade. Após criticar esta atitude, Cristo termina dizendo: “devíeis, porém, fazer estas coisas (justiça, misericórdia e lealdade), sem omitir aquelas (o dízimo do que fora mencionado).

Agora, aplicando o primeiro princípio hermenêutico delineado acima, a quem se destina este bloco? Aos fariseus? Aos discípulos que estavam com Jesus no momento da fala? À multidão? É claro que não. Se o texto só foi escrito depois de 50 d.C., é óbvio que o mesmo visava instruir leitores, muito tempo depois do ocorrido, sobre a questão do dízimo. Assim, ao preservar esta narrativa-discurso de Jesus, Mateus procurava mostrar à igreja cristã que o dízimo não deveria ser desprezado. E que, portanto, era uma prática para os cristãos da “nova aliança” também.

O mesmo exercício hermenêutico que apliquei aqui, pode ser aplicado em Lucas, também. Agora, em Lucas tem um agravante: a comunidade, como a maioria dos estudiosos do Novo Testamento tem demonstrado, era composta de gentios, oriundos de classes sociais baixas (como exemplo, verifique o material narrativo que é peculiar a Lucas, e você verá que se trata de gente pobre ou excluída da sociedade). Assim, este Evangelho estaria ensinando, assim como Mateus, a prática do dízimo a esta comunidade gentílica também.

- Outro erro hermenêutico do artigo em questão se observa quando perguntamos: em que momento o texto de Mateus demonstrou debater o tema da “velha aliança” versus “nova aliança”? Um terceiro princípio básico de hermenêutica ensina que a mensagem extraída de uma parte deve ser avaliada à luz do todo. Vale lembrar que no primeiro bloco discursivo, o “Sermão do Monte”, caps.5-7.27, Jesus se coloca na direção contrária a esta antítese, Lei x Graça. Após descrever o caráter do seu discípulo nas bem-aventuranças e falar do impacto deste no mundo (sal e luz), o Senhor mostra que este caráter impactante é vivido somente por meio da observância da Lei de Deus, e não da sua rejeição, “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (5.17). Em seguida, ele diz que isto não é apenas a tarefa dele, Jesus, enquanto Messias, mas uma obrigação para os seus discípulos que gozam do seu caráter: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (5.20). O que é exceder a justiça dos escribas e fariseus? Nas perícopes seguintes, o Senhor exemplifica tomando a Lei e ampliando a sua implicação.
Este procedimento, de tomar a Lei e ampliar as sua implicações para os discípulos, se pode ver em várias outras passagens do Evangelho de Mateus, exemplificando constantemente o que fora dito em 5.20. Então, quando chegamos em 23.23, fica claro que esta dinâmica redacional continua. A Lei ensina a entrega do dízimo. Como o discípulo “excede” a justiça dos escribas e fariseus? Dando além do dízimo? Não. 
O texto é claro: “devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” O discípulo “excede” ao observar não somente o dízimo, mas também “a justiça, a misericórdia e a lealdade” (tradução Peregrino, Paulus). Ou seja, à luz de Mateus, esta antítese “velha aliança” e “nova aliança”, enquanto desobrigação da Lei, não existe.

Que conclusão podemos tirar deste artigo infeliz sobre o dízimo no Novo Testamento? Que ele é um desserviço aos que amam a Cristo e sua Igreja, pois lhes priva de uma bênção chamada dízimo, não como algo que se dá a Deus para se auferir benefícios, mas sinal de obediência e gratidão por tudo o que ele tem nos dado.

Gostaria de terminar fazendo mais duas ressalvas. Primeira, durante o artigo mencionei a frase “os estudiosos do Novo Testamento”, ou “vários estudiosos”, e frases afins. Às vezes, as pessoas esquecem do cerne do problema e ficam procurando desculpas diante da confrontação de suas ideias. Assim, para que não venham críticas tolas dizendo que mencionei “estudiosos” sem citar nenhum, lembro que este artigo não pretende ser um comunicado acadêmico, mas uma reflexão a partir do que, academicamente, tem se mostrado sobre o Evangelho de Mateus. Para os que desejarem estudar o que disse, recomendo as obras de Carson, Borkhann, Tasker, Hendricksen, Stott, Broadus, Kümel, Gundry, e tantos outros que escreveram sobre o Evangelho de Mateus ou em introduções ao Novo Testamento ou em comentários específicos.

Se você é estudante de teologia ou teólogo, saberá que citei autores conservadores e liberais. Fiz isto não porque seja simpatizante da teologia liberal, antes pelo contrário, sou um ferrenho combatente da mesma; o fiz para frisar que minha análise de Mateus encontra respaldo de todos os lados quanto à relação autor-comunidade. Caso queiram uma bibliografia em inglês, ou detalhada destes autores, peço que me enviem um e-mail e responderei.
A segunda ressalva é que admiro o trabalho que os irmãos do blog “bereianos” desenvolvem em defesa do evangelho do Senhor Jesus contra a apostasia geral da Igreja. Porém, não posso aceitar que nossos ressentimentos contra a apostasia acabe nos afastando de verdades bíblicas simplesmente porque outros as estão adulterando.
Que o Senhor da Igreja nos faça caminhar na verdade e nos livre de qualquer distorção da sua santa Palavra.

Pastor Airton Williams

FONTE:BLOG DO PASTOR AIRTON WILLIAMS


COMENTARIO INTERESSANTE.

Não vejo no Novo Testamento nenhuma manifestação contrária a prática de dizimar. Então, quem diz que tal prática foi abolida está falando por conta e não com embasamento bíblico.


Então queridos, muito cuidado, pois Malaquias 3:8 afirma que a retenção do dízimo e das ofertas é roubo!

Vejo uma certa dificuldade no entendimento do que foi e do que não foi abolido após a morte de Cristo.

Uma das finalidades do dízimo é o sustento daqueles que se envolvem em tempo integral com a obra de Deus. Era o caso dos levitas no período veterotestamentário. E hoje, não há pessoas que também dedicam tempo integral a obra? Claro que sim!

O que eu vejo é o seguinte:
- Paulo faz alusão ao sistema de dízimos e ofertas
- Não existe nenhum texto dizendo que tal sistema tenha se tornado obsoleto
- Não existe a implementação de um novo sistema
- O único sistema estabelecido por Deus é o do dízimo e ofertas
- É Deus quem estabelece como deve ser e não o homem

Continuarei a fazer conforme estabelecido por Deus (assim entendo). Não faço por obrigação; não faço por medo; não faço por barganha; faço com alegria, por amor a obra de Deus, pelo avanço desta obra, feliz porque entendo que foi assim que Deus estabeleceu: dízimos e ofertas! O dízimo e as ofertas que entrego aqui na igreja local, contribuem para o avanço da obra em todo mundo promovendo a pregação do evangelho a cada nação, tribo, língua e povo! Louvado seja Deus!

Dízimo é um percentual de alguma coisa. Se é de dinheiro ou cereais ou animais que diferença faz?
- Abraão deu o dízimo de todo o despojo (Gn 14:20; Hb 7:2-4)
- Dízimo do gado (Lv 27:32)
- Jacó disse "de tudo quanto me deres, certamente Te darei o dízimo" (Gn 28:22)

Eu disse que é exatamente o mesmo modelo: 10% de tudo aquilo que recebemos (seja gado, seja alimento, seja dinheiro). Faça como Jacó: de tudo quanto me deres, certamente Te darei o dízimo!

Eu não acho que a lei cerimonial foi abolida em Cristo... eu tenho CERTEZA que ela foi abolida!

E também tenho certeza de que o dízimo é anterior à lei cerimonial e independente do sacerdócio levítico.

Fora o fato de haver citações claras sobre dízimo no Novo Testamento em Mat 23;23,e Luc 11;42 significa que este não foi abolido.

Eu vejo, pelo menos, um grande risco pois Malaquias afirma categoricamente que retenção de dízimo constitui-se em roubo. Se este continua valendo, muitos serão achados roubando a Deus.

Quanto a sua pergunta sobre dizimar produtos agrícolas, animais ou dinheiro, é indiferente. Se vc é agricultor e colhe 1 tonelada de soja, 100 kg devem ser dizimados. Vc vende a soja e entrega em dinheiro. Se houver necessidade/utilidade/viabilidade vc entrega a soja. Se vc tem salário então, logicamente, entregará 10% do teu salário (estou falando de dízimo, OK). Lembrando sempre que tudo pertence ao Senhor e nós somos Seus mordomos e devemos administrar os bens que são colocados sob nosso cuidado, seja dinheiro, propriedades, etc etc etc.... para a honra e glória do Verdadeiro Proprietário!

Pois é, e também não fala que deve ser um sistema diferente. Ele faz alusão ao mesmo sistema que sempre foi utilizado (dízimo e ofertas).
Portanto, qualquer outro sistema não é bíblico pois no NT não se institui nenhum novo sistema.

O apóstolo Paulo apoiava sua doutrina de manutenção do ministério em outro sistema fora do dízimo?

Não! A defesa de Paulo, para remuneração dos ministros do evangelho, tem sua base argumentativa no AT, que se refere às entradas de dízimos e ofertas especiais que mantinham os sacerdotes (1 Co 9:6-14). Segundo o apóstolo Paulo:
1. Havia outros apóstolos que não trabalhavam secularmente como ele (v. 6)
2. Pagar ministros era uma prescrição da lei (v. 8 e 9) e esta se cumpria pelo sistema do dízimo (Nm 18:24-28)
3. 1 Co 9:13 é uma referência direta ao dízimo, pois baseia seu apelo para o pagamento de ministros da igreja no direito dos sacerdotes arônicos, que recebiam parte das ofertas do altar e do dízimo, e no direito dos sacerdotes levitas que tinham seu sustento também garantido pelo dízimo, a principal de suas entradas. Afinal, eram os sacerdotes e levitas os únicos que se podiam achegar ao altar e prestar o serviço sagrado no templo e por isso tinham direito ao dízimo (Nm 18:20-26)
4. Essa parte, devida aos sacerdotes, é um direito que outros apóstolos já estavam fazendo uso (1 Co 9:10 e 12)
5. O mesmo sistema deve ser usado para os ministros do evangelho (v. 14)
6. Um direito do qual Paulo abriu mão (1 Co 9:12, 15) entre os coríntios (2 Co 11:7) por causa da contestação do seu apostolado (2 Co 11:5, 6) e para não dar ocasião aos falsos apóstolos (2 Co 11:8-13). No entanto, usou desse direito aceitando salário de outras igrejas (2 Co 11:8)
7. Esse é um direito tão natural, segundo Paulo, como de alguém que planta uma vinha (1 Co 9:7; Dt 20:6) e dela cuida (Pv 27:18) e por isso merece comer do seu fruto
8. Além disso, pagar os ministros é justo, especialmente aos que servem na pregação e no ensino (1 Tm 5:17-18)
9. Deve ser feito de tal maneira que não desperte ganância (1 Pe 5:2)

Quanto à mordomia, TUDO pertence a Deus (Sl 24:1). O papel do mordomo é administrar aquilo que Deus coloca sob sua guarda. 
O dízimo é uma oferta cujo percentual é estabelecido por Deus e as demais ofertas, Deus deixa para que o ofertante estipule o percentual.